KATSUGEN KAI TAKEMUSU AIKIDO E YOGA PORTUGAL
ENTREVISTA AO PROFESSOR - HUMBERTO AFONSO
Pode-nos dizer o seu nome, idade e graduação?
O meu nome é Humberto José Miranda Afonso, nasci em 1954 e sou 5ºdan de Aikido Aikikai (Tokio), 5º dan Takemusu Aikido e 5º dan bukiwaza (armas de Aikido).
Pode-nos fazer uma resenha histórica de como começou o seu treino de Artes Marciais, em geral, e de Aikido, em particular.
Iniciei o meu treino em 1971 aos 17 anos com o Professor Mário Águas (escola Soshinkai). Praticávamos Karate Shotokan e, no final das aulas, fazíamos umas técnicas de defesa pessoal (tipo jujitsu).
Naquela época a direcção técnica era da responsabilidade do Mestre Tran (conhecedor de Judo, Karate, Kendo e Aikido). Para além desta escola, nessa época, só existia a escola Bushidokan do Professor António Cacho (Shotokai). Passados dois anos fui viver para Espanha (Madrid). Em 1973, dando continuidade com o Karate, mas enveredando pelo estilo Shotokai com o Mestre Atsuo Hiruma, também comecei a praticar Aikido com o Mestre Yasunari Kitaura e com os seus principais alunos, Tomaz de Miguel e Tomaz Sanchez. Outros mestres vinham ensinar a Madrid e noutras cidades, mas na forma de estágio, por exemplo, os Mestres: Chiba, Tamura, Tsuda e Kanetsuka, o que eu aproveitava sempre.
(Sr. Pulido, Prof. Tomaz Sanchez , Mestres Tamura e Chiba – 1974)
(1º Grupo Aikido no Porto – 1974)
(Mestre Kitaura e Prof. Humberto Afonso – 1º estágio no Porto de Aikido - 1979)
(Mestre Kitaura e Prof. Humberto Afonso –2º estágio no Porto de Aikido - 1980)
(Mestre Kitaura e Prof. Humberto Afonso –2º estágio no Porto de Aikido – 1980)
(Mestre Kitaura e Prof. Humberto Afonso –2º estágio no Porto de Aikido – 1980)
(Grupo Portugal - 1980)
Em Agosto de 1977 voltei para Portugal entusiasmado com a ideia de ensinar mas, passado pouco tempo, dei razão às palavras de Mestre Tsuda “vim para Paris plantar flores em cimento armado”. Cedo fui tomando consciência que para ensinar sem fantasia, “isco”, era preferível a prática como “hobby”, antes que caísse na tentação de produzir encantos para atrair clientela. Continuei com a minha prática em Portugal frequentando estágios com o Mestre Tamura, com o Mestre Stobbaerts, com o Mestre Tomita e ultimamente com o Mestre Corallini e Mestre Hitohiro Saito.
(Mestre Tamura com o grupo do Porto – estágio em Lisboa)
(Prof. Humberto Afonso, Mestre Tomita – estágio em Aveiro)
(O grupo do Porto com o Mestre Hitohiro Saito-Lisboa)
(Mestre Corallini com o Grupo do Porto - estágio em Vigo)
O que sabe sobre a influência do Aikido no Mestre Egami e na escola Shotokai?
Quando o Mestre Egami (aluno directo do Mestre Funakoshi e herdeiro do título da escola) visitou Madrid, já com bastante idade, reuniu-se uma noite no quarto do hotel com todos os japoneses professores de Artes Marciais, sendo a maioria do Karate. Contou que tinha ido praticar Aikido com Mestre Morihei Ueshiba, assim como Mestre Hiroshi Tada, na altura já ambos cintos negros de Karate. O Mestre Egami passado algum tempo parou com o Aikido e o mestre Tada deu continuidade, tornando-se professor do Aikikai. Assim, podemos ver que no estilo Shotokai o zenkutsu deu lugar a uma posição de sankakutai alongada, os exercícios de ipon kumite foram suplantados pelas entradas de irimi (kawashi), técnicas que não faziam parte do Karate.
Fale-nos um pouco do Mestre Tsuda, Katsugen.
Um colega de Madrid organizou a vinda do Mestre Tsuda para estágios de Katsugen e eu encarreguei-me da organização dos estágios de Aikido. O Mestre Itsuo Tsuda deu início à prática do Aikido já com certa idade, interessando-se principalmente pelos aspectos subtis da arte. Ele procurava sempre realçar esses conceitos, não só nas palavras dos seus livros como também na prática, pois achava que eram aspectos que se estavam a perder.
Katsugen significa movimento regenerador, Yuki, significa imposição de mãos e Seitai são técnicas de manipulação, principalmente na coluna. Estas fazem parte das práticas da Sociedade Seitai da qual o Mestre Nogushi foi seu fundador e professor do Mestre Tsuda.
Quando veio para Portugal como era o panorama a nível do Aikido?
Assim que vim para Portugal em 1977, fiz questão de visitar os vários grupos existentes. Fui a Cascais, com o Professor Raul Cerveira, que conhecia o Mestre Georges Stobbaerts. Também fui visitar o Sr. Honda e apresentei-me directamente. Apercebi-me logo que havia uma certa bipolarização. Penso que hoje, há mais grupos com formas distintas entre si, o que veio a beneficiar a actividade. Recordo-me também de dois Aikidocas que se realçavam, Jean Marc Duclos e Leopoldo Ferreira. Recordo-me bem de ter tido que me “encostar à box” uma ou outra vez, mas eles continuavam a praticar os dois.
Soube que lhe foi dito que se deveria inscrever numa determinada organização.
Alguns estágios internacionais, em Madrid, ocorriam nas instalações da Delegação Nacional dos Desportos. Num desses estágios, um dirigente do Judo em Espanha, que me conhecia bem, apresentou-me ao Sr. Fiadeiro, que era o responsável pelas Artes Marciais em Portugal. Ele estava lá a fazer um teste de uma formação pedagógica relacionado com o Judo.
Foi uma apresentação que me caiu bastante mal, com palavras do género: “Você não pense chamar um mestre para Portugal, quer de Aikido quer de Karate, deve ir praticar com o grupo do Mestre Stobbaerts, porque fazem um Aikido mais parecido com o do Mestre Tamura e não deve praticar com o grupo do Sr. Honda porque fazem um Aikido muito rígido, sem movimentos circulares”. Esta catalogação do Aikido e a protecção aos grupos e mestres que visitavam Portugal, pareceram-me inadequadas para a época, tanto mais porque já tinha passado algum tempo do 25 de Abril.
Quanto ao Mestre Stobbaerts, que vim a conhecer posteriormente, só tenho a dizer que é um verdadeiro “Gentleman” das Artes Marciais.
O Professor Luís Antunes formava já um grupo alternativo ao do Mestre Stobbaerts e da União Portuguesa de Budo?
Não. Nessa época o Luís Antunes era aluno do Sr. Honda, só posteriormente ele optou por praticar com o Mestre Tamura.
Tem ideia de como era o panorama das Artes Marciais em geral, na cidade do Porto, e do Aikido, particularmente?
Quando voltei para Portugal em 1977, já existiam grupos de Karate, mas de Aikido não.
Quando começou a ensinar? Pode-se dizer que foi pioneiro do Aikido no Porto?
Em Madrid, já um ano antes do Mestre Tamura me examinar para 1ºdan (1976), dava uma aula por semana aos Domingos de manhã. Em Portugal, sempre que vinha de férias, no Verão e no Natal ensinava a um pequeno grupo que se mantinha a praticar o resto do ano. Só com a minha vinda definitiva em 1977 é que passei a dar aulas diariamente.
Efectivamente fui o pioneiro a dar aulas de Aikido, não só no Porto, como em Penafiel e em Viana do Castelo. E o primeiro estágio de Aikido no Porto foi dado pelo Mestre Yasunari Kitaura em 1979.
Chegou a estar ligado à Federação Portuguesa de Aikido?
Não, nunca cheguei a fazer parte. No início, no tempo da C.D.A.M., é preciso louvar o grande sacrifício do Luís Antunes em lutar contra a forma como o sistema estava estabelecido, entre outras dificuldades, que conseguiu superar, até com o seu professor (Sr. Honda). Eu tinha uma certa admiração pela sua perseverança, mas pouco a pouco ele foi-se modificando, ainda que o não admita, o que é uma pena.
Considera-se um autodidacta?
De certa forma sim. Quando iniciei o Aikido, depressa me apercebi que algo estava errado, ou pelo menos oculto. Como já era praticante de Karate, mesmo sem querer contestar as técnicas, acabava por mentalmente as confrontar, além disso, a forma de ensinar tipo “salada de frutas”, parecia que a maior parte dos professores ensinava para confundir.
Quando questionava os professores de origem, respondiam sempre com evasivas. Até me disseram que as técnicas de Aikido não se podiam encaixar num computador e que ensinando assim o aluno não perderia a criatividade, senão corria-se o risco de a actividade se transformar numa fábrica de mestres. Enfim, eu gostava de contornar tão bem os ataques, como eles fizeram com as minhas questões.
Durante bastante tempo segui neste processo, até que me apercebi existirem outras formas de praticar e ensinar. O contacto com os livros e vídeos do Mestre Saito foram cruciais para a transformação do meu Aikido. A pedagogia de Iwama ultrapassa todas estas questões.
Como decorre uma aula na sua escola?
Praticamos das 20H00 às 22H00, começamos com 15 minutos de aquecimento, depois shuwari waza e ukemi, seguindo com armas, tai-no-henko e kokyu-ho, imobilizações e projecções sobre um só ataque. Praticamos metade do ano jo (Janeiro a Julho) e outra metade boken (Setembro a Dezembro). No final seiza kokyu-ho e haishin undo.
Ao longo do ano praticamos kihon, só esporadicamente é que se faz técnica fluida (Kinonagare). O Mestre Kitaura costumava dizer que esta prática (fluidez) devia-se aplicar como os medicamentos, o mínimo possível, só o indispensável.
Que relações têm com outros grupos de Aikido?
Sempre tivemos boas relações com todos os grupos. Sempre que me desloco a qualquer lado procuro visitar e até treinar com os outros grupos. Penso que seria ingrato não mencionar duas pessoas que quiseram partilhar comigo conhecimentos que receberam dos seus respectivos mestres: Jean Marc Duclos, aluno do Mestre Georges Stobbaerts, e Carlos Portas, aluno do Mestre Tomita.
E acerca dos mestres?
Primeiro falaria dos pseudo mestres, em Madrid, costumavam dizer que haviam mais gurus em Londres do que em toda a Índia. Hoje todos são mestres, mesmo algumas pessoas que fazem bom trabalho deixam-se cair nesses títulos.
Um estudante de Medicina nos confins do mundo à falta de melhor é possível que faça tratamentos médicos, nem por isso ganha a licenciatura.
Nós alunos mais antigos (sempai) por força das circunstâncias damos aulas de artes marciais, isso não nos dá o título de mestre. Pior, ao titular-nos antes do tempo vamos desacreditar uma posição de respeito.
Que me perdoem os meus colegas mas abriria uma excepção para o mestre Georges Stobbaerts que dos professores de Aikido em Portugal se destaca sem dúvidas possíveis.
O ser mestre de Aikido, não me dá confiança do melhor Aikido, a pessoa apenas adquiriu a mestria da sua forma, o mestre Morihei Ueshiba ensinou a muitos alunos e cada um ficou com a sua visão, nos filmes daquela época, já podemos apreciar quanto diferente é a forma de praticar dos alunos de então, mestres de agora.
Passaram-se tantos anos, somos como os investigadores de História, para serem fiéis a uma época têm que estudar o maior número de narradores credíveis.
Gostaria de acrescentar mais alguma coisa?
Terminava com uma frase que me tocou bastante, “O Aikido ao não ter confrontação, tipo luta de vale tudo, é como um suco muito doce, onde podem nascer os piores bichos”.
Perante isto, nós professores temos uma grande responsabilidade para não defraudar aqueles que tanto suaram por esta arte. Não nos devemos esquecer que o aluno tende sempre a suplantar o professor, no bem e no mal.
Aproveito esta oportunidade para dizer que as portas do nosso local estão sempre abertas a todos os aikidocas.